terça-feira, 15 de dezembro de 2015

CORDÉL ESTÓRIAS DO JOÃO PESCADOR


Autoria: Edson Amorim

Vou contar uma história                                                                           
Que fala do João Pescador
Senhor bom e honesto
Do Pantanal é morador
Pra boa prosa contar
E peixe grande pescar
Nisso é mestre e doutor
                                              
O João Pescador conheci
Em um mês de setembro
Numa pescaria que fiz
O ano eu nem me lembro
Mas nunca mais esqueci
E os casos que dele ouvi
Vez em quando relembro

Dele eu fiquei admirador
Como ficou a turma inteira
Viajando no Pantanal
Numas férias pesqueiras
Topamos lá o João no rio
Vendendo isca na beira
Recebeu bem a gente
E logo e bem de repente
Começou a converseira

João conta casos variados
E não fala uma besteira
Da ficção vai ao além
Em conversa bem ligeira
Casos melhores nunca ouvi 
E na terra não conheci
Uma figura tão “verdadeira”

Não digo que é mentiroso
Mas sim um proseador
A estória tá na mente
E não mente o pescador
Nem pede pra acreditar
Só  quer  ver  gargalhar
Os “alunos” do “professor”

Proseador e bom de papo
Debochado e falando alto
Duma ora pra outra
E num rápido sobressalto
Trouxe pra roda um caso
E pegou todos de assalto
Então o João já foi falando
E todos ali assuntando
O que aconteceu do fato

Disse que um dia à noite
Com seu Pai pescando
Viu bem no meio do rio
Uma luzinha piscando
Donde fumaça subia
Pra lá foram remando
E qual foi a surpresa
Era uma cobra boiando
Com a cabeça erguida
Um chapéu na cabeça
E um cigarro fumando

E a turma ficou pasma
Imaginando a cena
E o tamanho da cobra
Que não devia ser pequena
E caíram na gargalhada
Da estória pelo João contada
Que de “mentir” não teve pena

Mas nem bem ele acabou
Outra estória emendou
Dizendo que a tardezinha
Quando pro rancho voltava
Enquanto a canoa conduzia
Uma intuição teimava
Pedia que jogasse o anzol
Num poção que ele passava

Então cedendo à intuição
Uma grossa linha escolheu
Muito bem encastoada
Uma boa isca nela prendeu
E desenrolando a linhada
No poção então jogou
E nem no fundo chegou
Já sentiu a abocanhada
E a linha foi se esticando
Com um solavanco acochou
E a sua pequena canoa
Quase que no rio afundou
E que ele ia “tocar gaita”
Pois era um peixe baita
Pelo peso imaginou

Então pensou ligeiro
E na prainha ancorou
A luta foi cansativa
Duas horas lhe custou
E usando o remo e a mão
Da água tirou o peixão
Que pela areia, ele rolou

Era um baita dum Jau
Duzentos quilos, calculou
E pelas suas lembranças
Foi o maior que ele pescou
Não dava pra embarcar
Teve então que carnear
E até seu couro tirou
E nenhuma foto tirou

E nem folego o João tomou
Por ter “pego” o peixão
Começou essa do Jacaré
Que por ali tem um milhão
E a turma atenta, ouviu
E de medo frio sentiu
Mas não foi sua intenção
  
Contou que um certo dia  
Coisa feia aconteceu
Um monstro dum Jacaré
De repente apareceu
Em pé, por cima d’água
Desembreado correu
Pro lado da sua canoa foi
Que nem remar tempo deu

Se equilibrando no rabo
Não acreditava no que via
A língua toda de fora
E os beiços até lambia
Na canoa João se encolheu
Um grito bem alto deu
E a sorte ficou à revelia

Ele chegou todo afoito
E comeu o que queria
Inda bem que tinha peixe
Senão, o João, ele comia
Mesmo assim ele mirou
E dois olhões arregalou
João disse vixe Maria

Mas ao terminar de engolir
Os peixes que devorou 
Nos beiços deu uma lambida
E pra ir embora se aprontou
João achou que pastel virava  
E estava que nem piscava
Mas, os céus, o ajudou

Então com o bucho cheio
O bicho desistiu e nadou
E abanando o seu rabão
Num mergulho, afundou
João tremendo um bocado
E de medo transpassado
Notou que o calção melou /borrou

Depois de muitas risadas
Outra do baú João tirou
Foi a estória da Jacaroa
Que seu Avô amansou
Uma estória engraçada
De pesca abocanhada 
Do jeito que se passou

Disse que o Avô ficou amigo
De uma Jacaroa bonzinha
Que ele até o abraçava
E fazia nela cosquinhas
Era um Jacaroa de boa
Seguia sempre a canoa
Andando apressadinha

Seu Avô a canoa ancorava
Sob uma sombra no rio
Pra tomar um Tereré
E logo dava um assovio
E a Jacaroa já entendendo
Pela beira vinha correndo  
Como nunca já se viu  



Então a Jacaroa mergulhava
E sem demora  já trazia
Um peixão de cinco quilos
E pro meu Avô oferecia
Era Jau, Dourado,  Pintado
E outros dos mais variados
Isso era quase todo dia

E assim ele foi pescando
E mais e mais outro dia
Seu avô na vida mansa
Assim por tempos se ia
Ele nem mais pescava
E nem na vara pegava
Virou um preguiçoso que doía

Tanto peixe abocanhava
Que a canoa quase enchia
Mas a partir de certa data
A Jacaroa  não mais ia
Pensou que ela enjoou
Ou julgou que o seu Avô
Sua ajuda não merecia

A ausência da boa Jacaroa
Deixou seu Avô chateado
Mas por ela ter sumido
Houve qualquer desagrado
Seu Avô ficou pensando
E acabou se lembrando
Que não dizia “obrigado”

João dos casos também ri
E um cigarro vai fumando
Acende o pavio da prosa
E sua estória vai narrando
É um humorista perfeito
Estória inventa de todo jeito
Pra turma ficar gargalhando

E esta estória que contou
Parece coisa inventada
Que só dá pra acreditar
Por amizade forçada
Mas entre as demais
Que foram contadas atrás
Esta é a mais acreditada

Disse que um dia de dia
Iscou uma viva piabinha
Arremessou na corredeira
E logo endureceu a linha
E começando a puxar
Pelo insistente repuxar
Sentiu que peixe vinha

E recolhendo a linha
Viu o Dourado saltando
E enrolando o carretel
Pra canoa foi puxando
Mas veio um Jau aloprado
Engolindo o peixe fisgado
Já quase ele embarcando

Foi obrigado a dar linha
Pois ficou muito pesado 
Nisso um peixe grandão
Abocanhou os dois fisgados
E a linha quase estourando
Acabou três pescando
O Dourado, o Jau e o Pintado

Não tem como não gostar
Do seu estilo nordestino
É um ator contanto casos
Gesticula e fala vixe menino
João pra falar não tem enguiço
Acho que nasceu pra isso
E no palavreado é granfino

E essa que ele contou
Caprichou, caprichando
Uma estória extraterrena
De se ficar duvidando
Mas o caso foi tão bom
E pelo capricho do João
Eu acabei acreditando
 
Contou que pescando à noite  
Entre os lagos avistou
Uma luz colorida e forte
Curioso pra lá remou
E corajoso, não desistiu
E chegando perto viu
Que era um Disco Voador

Era redondo e iluminado
A beira do lago pairou
E mais luzes acederam
A beira toda iluminou
Então duas portas se abriram
E dois Seres da Nave saíram
Por uma escada que baixou

Eram verdes homenzinhos
Com um grilão pareciam
Andavam desengonçados
Não falavam e nem sorriam
Tinha o corpo lambuzado
E os braços alongados
Eram feios que doíam

Um que desceu da Nave
Em sua mão pegou
E pra ele entrar na nave
Esse mesmo o convidou
Extasiado e sem medo
E sem fazer segredo
Na nave então entrou

E no aconchego da Nave
Perto da janela sentou
E por cima do Pantanal
Rasante a Nave voou
E por uma hora voaram
Depois então pousaram
No lugar que decolou

Gravaram sua voz cantando
A música “amor perfeito”
E ouviram ligeiro batendo
O coração no seu peito
E ele pôde até entender
Que as “coisas” queriam ver
E ele disse olha o respeito

Depois  em uma cápsula
João lá dentro colocaram
Mediram de todo o jeito
E tudo nele pesaram
E viu um deles anotar
Quem sabe pra estudar
O humano que encontraram
João os convidou pra descer
E pela terra andaram
E as belezas das lagoas
De perto admiraram
Até emitiram um chiado
Quando devem ter falado
Que dali eles gostaram

Um pouco da água pura
Num frasco eles coletaram
Na terra fincaram um tubo
E algumas gramas levaram
E João tendo permitido
Olharam sua boca e ouvido
E até seu sangue tiraram

E duas horas depois
Quando o ultimo embarcou
Com a Nave flutuando
Para o João um acenou
E rumo ao céu estrelado
Depois de ter decolado  
O ufonauta acelerou
E pelos céus do universo
Num voejar inverso
A Nave então voou

Pela falta de uma máquina
João disse desconsolado
Pra nave e os  tripulantes
Ele  ter eles fotografado
E nos jornais pelo mundo
Assim seria comentado 
Um pescador  pantaneiro
Teve encontro inusitado
Com dois extraterrestres
E com eles, até viajado 

A lagoa que visitaram
De marciana é chamada
Lá uma vez por mês
Uma luz é avistada
João acha que nessa noite
A lagoa, por eles, é visitada
Ou então ela se tornou
Uma lagoa encantada
João não é de repetir
E no caso envolve a gente
Se vê que ele pensa ligeiro
Num roteiro fiel e prudente
Pois até pra bem mentir
E fazer o ouvinte rir
Tem que ser inteligente

E esse foi mais um caso
Chegando até a mitologia
Que numa noite pescando
A mente pra namorar pedia 
E por volta das dez e meia
Surgiu das águas uma Sereia
A mulher que tanto queria

Nadando e sorrindo veio
E na proa da canoa sentou
Disse pra ele boa noite
E pelo seu nome chamou
E a luz clara da lua
Mostrou a silhueta sua  
Seu belo corpo desenhou

De um olhar penetrante
Num rosto que Deus moldou
De cabelos pretos e longos
Imagem que o encantou
Um semblante sem tristeza
Era radiante em beleza
Que em sua mente gravou

E uma coisa ela pediu
Que era da sua missão
Pra que ele bem cuidasse
Daquele paraíso então
Pois nas águas ela morava 
E nos rios e lagoas nadava 
E que amaria sempre o João

E por uma hora e meia
Com ele na canoa ficou
E exato a meia noite
Seu encanto se quebrou
Depois de dar nele um beijo
E ele se extasiar em desejo
Em forma de luz, mergulhou 
De “encantada”  batizou a lagoa
Pois nas noites de lua cheia
Os peixes batem em cardume
Pensa ele, que é a Sereia
Com o cardume nadando
E dele, ela lembrando
Jura pelo sangue das veias

À noite quando ele dorme
Com a peixona fica sonhando
Uma morena duma sereia
Na proa do barco sentando
Aquela mesma quase mulher
Que com ele esteve falando
Imaginando ser verdadeiro  
Amassa todo o travesseiro
Sonha, nela um beijo dando

Ouvindo essas boas do João
O povo não se aguenta
Quase se urinam nas calças
Como velhos de noventa
Gargalhando grita Ô loco
Foi de tirar pica pau do oco
De rir o pulmão arrebenta

Mas João não parou por ai
Disse que perto do planalto
Numa noite de lua cheia
Ele olhando para o alto
Uma coisa bem estranha
Lhe pegou de sobressalto
Um gigantesco Tuiuiú
Parecia estar de salto
Sobre uma árvore seca
Lá no meio do mato

Ele olhou atentamente
Pra não ficar imaginando
Disse, deixe de besteira
São dois Tuiuiús cruzando
E com o ninho nas costas
Devem estar se mudando
Ou podem ser que também
De outro estar roubando
O Raul tomando um gole
O Dé de olhos arregalados
E o Zael a carne assando
Com os ouvidos ligados
Pra não perder por nada
Um tiquim da prosa narrada
Sendo triste ou engraçado

E João já um pouco cansado
De tanto caso inventar
Disse esse caso é favorito
Não pensem em duvidar
E o caso da onça amiga
Arrumou com ele uma intriga
Assim começou a contar

Que uma onça conhecida
Seu nome era Bichana    
No barranco ali parada
Cheia de ira e rosnona 
Pra sua canoa olhou
E certamente o estranhou
Estava com fome a bichona

Ela deu um grande salto
E dentro da canoa pulou
E um enorme Pintado
Numa bocada já devorou
E do seu barco ancorado
Levou na boca um Dourado
E pela água, nadou

Disse: Sorte que ficou satisfeita
Pelos peixes então jantados
Senão teria que comer
Um homem mijado e cagado
Passei por aperto eu digo
Onça com fome é perigo
Aos céus disse obrigado

E pra casa foi assustado
Pelo tremendo acontecido
Nem pra trás ficou olhando
O remo na água foi atrevido
Nas onças não mais confiou
Nem muito se aproximou
Pois é um bicho mal benzido 

Ouvindo o João Pescador
Seus tantos casos contando
Os companheiros de pescaria
As cenas ficam imaginando
O gorducho Amadeu
E o magrinho Zaqueu 
Riram de ficar soluçando

Estórias o João contando
Numa ou outras versão
Fala um pouco de sua vida
Com dose certa de emoção
Uma lágrima nos olhos esfrega
E ao caso, de novo, se entrega
Pra não contrariar a razão

Se o tino na mente tá quente
Pra sua boca dá um sinal
Então logo vai começando
Sempre com seu bom astral
E vê que o povo está gostando
Vai então mais se animando
E o caso estica até bom final

Mas daí se tira a prova
Que pescador é aculturado
Inda tendo sangue nordestino
Nos gestos e palavreados
E assim desde menino
Deus já deu pra ele o tino
De um caboclo debochado

Na semana que lá ficamos
Ao lado do rancho acampados
Depois da pescaria do dia
Em volta da fogueira sentados
Ia até o dia amanhecer
Rindo da barriga doer
Dos casos pelo João contados

João foi nosso anfitrião
No rancho e nos alagados
Levava onde o peixe estava
E iscas, fornecia de bocados
E num astral espetacular
Nem se viu os dias passar
De bom humor renovados  

Depois que em casa cheguei
E dos casos relembrando
Me peguei rindo sozinho
E sua voz parecia escutando
E às estórias fantasiosas
E as tantas outras prosas
Fiquei ali recapitulando 

Pescamos e divertimos
Tomando uma gelada
Comendo peixe assado
A alegre rapaziada
O estresse foi embora
E só nos resta agradecer

Ao amigo João camarada 

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