terça-feira, 15 de dezembro de 2015

CORDEL: A ALMA DO AVÔ DO JOÃO PESCADOR !!




Autor: Edson Amorim 

Vou contar uma história                                                   
Do Avô  do João Pescador
Que viveu no Pantanal
E hoje do Céu é morador
Foi por Jesus autorizado
A rever o seu passado
No Pantanal onde morou

Seu Avô, o Pedro Contente
Que a pescar lhe ensinou
E um dia pela velhice   
Essa terra ele deixou  
E na  Igrejinha foi velado
E ali ao lado sepultado   
Onde a cruz o João fincou  

E tendo João esgotado
Os casos por ele vividos
João contou esta estória
Do Avô a tempo morrido
Um caso de arrepiar
Mas ouvi atento contar
O funesto caso do falecido

Contou que alma do Avô
Veio do Céu lhe visitar
Ele numa noite pescando
Na sua canoa veio sentar
Era uma imagem de luz
Que por Jesus fez ele gritar
Disse não se assuste João
Sou seu Avô Contentão  
Do Céu acabei de chegar

Reconhecendo sua viva voz
E o modo como ele falava
Logo teve então a certeza
Da alma que se apresentava
Disse: sou mesmo o neto seu
E se fosse da parte de Deus
Jurou, que a alma escutava

Mas sentiu fortemente
Que o coração disparava
Seu corpo todo esfriou
E o cabelo se arrepiava
Mas redobrou a coragem
E de olho na dita miragem
Foi ouvindo o que falava

Contou lhe a alma do Avô
Que pra vir Jesus autorizou
E do Céu veio voando
Nem de GPS precisou
E já um tanto avexado
Mirou o Pantanal alagado
E na sua canoa pousou

Depois disse ao Neto João
Que muito bem ele estava
E que do dia da sua morte
De tudo ainda se lembrava
Daquele dois de setembro
Disse eu ainda me lembro
Do túnel que atravessava

Disse que subiu bem ligeiro
Nesse túnel em branda luz
Uma voz dizia Caminho do Céu
E muitas placas escritas Jesus
Outras, siga voando em frente       
Em paz e bem sorridente  
E não esqueças da tua cruz

Disse que subiu meio triste
Um tanto desconsolado
Lembrava que tinha morrido
E seu corpo fora enterrado
Mas muitas lembranças levou
Do Pantanal, onde morou
Do rancho, família e alagados

Pelo túnel iluminado guiado
A uma grande porta chegou
“Céu Universal” estava escrito
Abrindo a porta se apresentou
A sua frente uma névoa pairava  
Uma luz forte ao fundo brilhava
Que seu olho da alma ofuscou

Foi então acolhido por um Anjo
E as regras celestes pra ele leu
E antes de levá-lo a São Pedro
Com água benta ele benzeu
Uma túnica branca nele vestiu
E o passaporte logo expediu
E nele uma carimbada deu

Mas nisso, o Anjo Gabriel
Se mostrando muito educado
Assistente da portaria do Céu
Disse fique ali quieto e sentado
E se você não for louco 
Espere aqui um pouco 
São Pedro está ocupado

Quando viu, lá vinha o xará 
De barbas brancas cumpridas
Com monte de chave na mão
E uma túnica branca vestida
Sandálias velhas calçado
Um cruz no peito pendurado
Sorrindo, de bem com vida

Com voz mansa lhe perguntou
Do seu nome de batizado 
Falou o nome e sobrenome
Disse Pedro, vou ver seu passado
A um Anjo servo ordenou
O livro do céu, traz por favor
Vou ver se ele está registrado

Então com o livro na mão
Começou esmiuçando 
E na letra “P” viu anotado
E as folhas foi revirando
Pecados tem um punhado
Todos aqui estão registrados
Sei que deles tá lembrando 

Dando logo a ordenação
Disse fique ali ajoelhado
Reze com fé dez terços
Arrependido e bem devotado
E como uma penitência
Peça a Deus por clemência
Naquele Altar Sagrado
  
E sua alma ainda rezando
No altar mais que sagrado
Viu então chegando Jesus
E ao seu lado iluminado  
Com ternura assim lhe falou
Pelo bem teu coração pulsou
Meu filho estas perdoado
  
Disse Jesus calmamente 
Que por Ele  foi ordenado
Traze-lo logo para o Céu
Pois na terra estava cansado
Conforme disse seu Anjo
E reconhecido pelo arcanjo
No livro, estava relatado
  
Jesus de barba comprida
E de olhos esverdeados
Atentamente o olhando
Disse, tu estás santificado
Todo amor aqui empregue
E teu espírito me entregues
Que é o teu fardo pesado
  
João, no céu tens galardão
Por ter sido bom pescador
Pois quando estive na terra
Como discípulo, me ajudou
E depois que fui crucificado
E pelo Pai, ao céu chamado
Minha palavra inda pregou
  
Jesus disse, que João o discípulo
Sua palavra de fé anunciou
E com Pedro, perseguido, foi preso
Depois sua Igreja fundou
E como prometido havia 
Tendo chegado seus dias
Pra junto Dele, os levou
  
Jesus assim pro Avô falou
Você tem bom coração
Os peixes que sobraram
Você doou pro  irmão 
Leste a minha palavra
E no dia a dia praticava
E aos cristãos dela falou
Sempre você foi humilde
E a ganância não praticou

Também Eu vejo aqui
Que a Tua alma é boa 
Na vida sempre se dedicou
E fostes excelente pessoa
Nunca tiveste um inimigo
Só tiveste bons amigos
A amizade sempre prezou
  
Com mansa voz foi falando
Disse: sei que fostes pescador
Por amor a minha natureza
O rio e o peixe, preservou
Então estás convidado
Pra provar do meu pescado
Na Santa Ceia do Redentor
  
Me falou sejas bem vindo
A casa do Pai Universal
Pega ali com São José
A Cartilha da lei Celestial
Ela tem que ser respeitada
Aqui é o tudo ou o nada
É fé, bom humor e alto astral
  
Disse ao misericordioso Jesus
Mestre muito obrigado
Carreguei vossa cruz sagrada
No chão contrito ajoelhado
Nesse paraíso irei fazer
Meu amor inda mais crescer
Eternamente ao Vosso lado
O bem que não fiz em vida
Farei neste solo sagrado
  
Não existe aqui meio termo
Ou é o sim ou é o não
Pisaste neste Céu sagrado
Que ouviste falar em sermão
Aqui a lei não é corrompida
Como a que viste em vida
De até rasgar a Constituição

La é só ter dinheiro no bolso
Que não vai para a prisão
Aqui é bem diferente
Desrespeitou, vai pro porão
Estando lá é só avisar
Que o inferno manda buscar
No seu a jato camburão 

Sem querer fazer média
Disse ao Supremo Pastor
Pra aquecer nossa fé
Eu o Antônio e o Adão
E demais Cristãos juntamos
Batizados, crentes ou não
Construímos a Igrejinha
Depois fizemos procissão
E as mãos nós juntamos
E ajoelhados, oramos 
Como humildes irmãos
  
Daquele dia em diante
Cantando em seu louvor
No altarzinho uma Cruz
E a imagem do Senhor
Nossa Mãezinha e Rainha
E os Santos da ladainha
Tem lá também seu penhor
  
Disse ainda pro meu Senhor
Que na Igrejinha pantaneira
Sua terrena história contei
Mas não sei se contei inteira
Desde quanto foi anunciado
E pelo Espirito Santo gerado
E nascido da virgem de Maria

Lá á nossa protetora e Rainha
É A bondosa Mãe do Senhor
Também a Mãe Pantaneira
Carregada por nós em andor
O Senhor é o Nosso Rei
Perdoou-me quando pequei
E quando doente, me curou

O Avô inda com Jesus proseado
Como dois velhos amigos
Com Sua mão em seu ombro
Disse: sempre estarei contigo
Senti a paz que nunca senti
Momento em que renasci
No Céu, meu eterno abrigo

Jesus contou da vida na terra
Ele nascido da Vigem Maria
Da pregação da Boa Nova
A crucificação e a agonia
De como Ele ressuscitou
Depois os discípulos enviou
Tudo como o Pai queria

Me explicou que ali no céu
A vida é afetuosa e terna 
Não se contam os dias
É uma estação eterna
Todos são quase iguais
Amor sim, pecado jamais
A vida é bela e fraterna

Tem os pastores terrenos
E os anjos guardiões
Que ajudam organizar
As diárias procissões
E as almas revoltadas
Voltam pra ser encarnadas
E terminar suas lições

Disse Jesus em calma voz
Tua fé é grande eu sei
A Igrejinha pantaneira
Muitas vezes eu visitei
Anjos do céu moram lá
E os que enviam para cá
De lá muitos doentes, curei
  
Revelou que lá no Céu
Tem um templo erguido
Com arquitetura divina
Por Salomão construído
Todo de mármore lustrado
Com diamante decorado
E um altar de rubi polido
   
É onde frequentam os Santos
E fiéis pra louvor e devoção
E os Anjos ficam voando
Entoando sublime canção
E ao som de flautas andinas
Canta um coral de voz divina
E o Maestro é Abraão
  
Deus a Suprema divindade
E Jesus o Bom Pastor
O Divino Espirito Santos
São os Generais do amor
Também a Virgem Maria
No Céu e na terra é Rainha
Tem misericórdia do pecador
  
Moisés, João Batista e José
Os profetas todos em luz
Seus Discípulos escolhidos
Maria Madalena e Paulo
Os dois segurando a Cruz
Papas de fé reconhecida
Pela sua pregação em vida
Esses homens estão na Luz
  
A luz que aquece as almas
Nem é quente e nem é fria
Belos jardins bem cuidados
Parecendo a ilha da fantasia
Tem nuvenzinhas rasantes
Rezas e procissões constantes
Organizado pela Vigem Maria

As almas tem os afazeres
Quando não estão meditando
Tudo é feito com amor
Não se vê tempo passando
Lá não tem choro e nem vela
As cores é como aquarela
Mas o branco se destacando

Lagoas límpidas e coloridas
Por lindos trigais rodeadas
E o sagrado e bento alimento
Junto às aguas santificadas
Ao lado tem jardins e florais 
Com girassóis angelicais
Pelas boas Almas, cuidadas

Sendo bom nordestino
Vou logo te apresentar
O Santo Frei Damião
Que não para de pregar
E ali tocando luar do sertão  
É Luiz Gonzaga, rei do baião
Pras almas todas animar  

Disse Mestre quero conhecer
Nossa Senhora Aparecida
Jesus disse, olhe do lado
Ali está a Mãe querida
No seu altar consagrado
Com seu manto azulado
Como esteve em vida

Ela sempre te olhou
Toda noite e todo dia
Pescando sobre chuvas
Pra você era uma agonia
Sempre ti abençoou
E dos perigos de ti livrou
Do bicho, raio e da ventania

Quando vez foi mordido
Por um Quati  malvado
E pelo rio foi remando
Gemendo adoentado
Ela contigo estava 
Tua dor amenizava
Até te ver sarado

O céu é muito bonito
O céu é grande demais
Um Universo paradisíaco
Só tem dia e noite jamais
As estradas suspensas são
As nuvens é a condução
Pra contemplar os trigais

Tem até avião e aeroporto
Pras almas bem comportadas
Ir viajar pelas galáxias
Em dias e noites enluaradas
E até as brancas nuvenzinhas
Que voam calmas e baixinhas
Sobre os jardins nas alvoradas
E as milhões de andorinhas
Que cortam os céus do céu
Dando um show as tardinhas 

Depois dele muito agradar
Jesus passou lhe um sermão
Não olhe para as Anjinhas
Com qualquer má intenção
Está escrito ai no caderno
Serás mandado pro inferno
É pecado sem perdão

São Pedro que foi pescador
E pra matar a saudade
Liberou as lagoas celestes
Pra uma pesca de verdade
Seu irmão André organizou
Pois tinha capacidade 
Convidou os pescadores
Entre obreiros e doutores
E o premio era a santidade

As regras foi logo ditando
Só um peixe pode fisgar
E pagará dura penitência
Aquele que tentar burlar
Isca só massinha de pão
E o fiscal será São João
Pro  peixe fisgado pesar
  
E todos pescadores pescando
Juraram e tiveram obediência
Porque no Céu a coisa pega
Se houver teima e saliência
Mas adivinha quem ganhou
Com seu nervo e  impaciência
São Pedro o “maior” pescou
E na balança São João “pisou”
Pra ganhar da concorrência
E os peixes foram doados
Pra tirar o peso da consciência 

No Céu encontrei amigos
Pescadores que conheci
Uns lá  do Nordeste
Outros foram daqui
Severino Carabina
Sebastião Lamparina
Zé Jaú e o Zé Pequi

O xará Pedro Malandrão
Luizão da Cartucheira
Valdomiro Mal Falado
E a Maria Perdigueira
A Terezinha Perdiz
E o Cassimiro Infeliz
E a Josefina Tranqueira

Vi também os Santos
Que tenho por devoção
Aqueles que já falei
Também São Sebastião
Santo Antônio e São Tomaz
E um tanto sem crachás
Que o nome não sei não

Vi lá alguns parentes
E algumas ex-namoradas
Seguiam na procissão
Quão almas comportadas
E na fila da celebração
Vi meus pais, avós e bisavós
Padrinhos, tios e tataravós
E deles fui pedir benção
  
Um dia pra São Pedro  pedi                                                      
Pra ele com Jesus falar
Ver se ele autorizava
Eu, meu Pantanal visitar
Ao menos uma vez
A cada seis mês
Pra ver meu Neto pescar
  
Jesus foi muito bacana
Veio pessoalmente fala
Você é bem comportado
Acho que vou autorizar
Escreveu e assinou
E na portaria entregou
Pra eu poder sair e entra
  
Mas disse com autoridade
Que no Céu só ele tem
Vê se vai e volta certinho
Fala com ele e mais ninguém
Disse juro pela minha morte
Pois sou uma alma de sorte
Vou pela estrada do além
  
Antes de voltar pro céu
Em forma de luz cadente 
Um abraço ele deixou
Pra amigos e parentes
Dizendo que iria voltar
E pra mais vezes visitar
O pantanal e sua gente
Mas o que veio fazer
Falou assim de repente

Disse meu querido Neto
Quero te fazer um pedido
É uma pequena missão
Sobre um dinheiro escondido
Um pouco do que ganhei
No pé da figueira enterrei
Quero que seja dividido
  
Não é muito dinheiro
Mas o céu veio contestar
Quero que a metade
Na missa da igreja vá doar
E o total remanescente
Vou te dar de presente
Pra um barco novo comprar

 Assim como meu Avô pediu
Eu fui lá e cavoquei
E o dinheiro enterrado
Todo lá eu encontrei
Comprei o barco e motor
E como recomendou o avô
A metade pra Igreja doei
  
Nessa época era jovem
Um moleque adolescente
Meu Pai inda estava vivo
Só um pouco doente
Pro meu Pai eu contei
Que com meu Avô falei
Eu e ele frente a frente
  
Meu pai durão  nordestino
Disse deixe de besteira
Quem se foi não volta mais
Resta só sua caveira
Desse jeito duvidou
Mas vi que ele rezou
Aquele dia a noite inteira
Com a lamparina acessa
Bem perto da cabeceira
  
Nuca mais sua alma vi
E só posso imaginar
Deve ter perdido a hora
Pra no céu ele reentrar
E São Pedro o castigou
E a permissão revogou
Não deixando mais voltar !!





Nenhum comentário: